top of page

Esporte de aventura é isso: EQUIPE!

  • Carlos Eduardo Madona
  • 3 de abr. de 2018
  • 9 min de leitura

Quase nunca escrevo textão para descrever as saídas e expedições em geral (nem sou bom nisso hehehe), mas essa merece pelo grande aprendizado e também pela necessidade de esclarecer algumas coisas que “vazam de forma distorcida”... mas vamos focar e fechar o texto com o aprendizado, ok?

E to escrevendo agora, segunda feira a noite, que foi a hora que consegui reunir força depois das 35 horas, horas dentro do Cânion no final de semana.

Feriado de pascoa, 3 dias, perfeito pra organizar uma expedição de canionismo para o Cânion Espraiado, que requer tempo e uma logística complexa, mas primeiro falando dele...

O cânion

A via de canionismo clássica no Espraiado tem mais de 6,5 km de extensão e seus 900 metros de desnível, na classificação Francesa de Canionismo ele se encaixa em V4 A3 IV, isso em condições normais, em época de estiagem, mas enfrentamos V5 A3 V com certeza(critérios de classificação disponível no site GBCAM.org.br),. Ele é grande e imponente e exige um bom preparo. Uma boa equipe consegue fazer ele em 12 horas de atividade ininterrupta, se der tudo certo e se o tempo colaborar. Após as 12 horas, tem a trilha de retorno que é curta, porém muito íngreme e no “vara mato”, já passamos algumas vezes mas o mato fecha dias depois, não tem trilha marcada e fazer ela depois do canionismo é tipo onde o “filho chora e a mãe não vê” (rs). Ou seja, em resumo, ele é punk.

A equipe

Essa expedição foi criada para canionistas autônomos, turma que “se vira” nas técnicas de progressão, galerinha casca grossa, as meninas que toparam o desafio eu já conhecia, e já as chamava de meninas superpoderosas, são elas Janine Fratari, Cibelli Severo e Juliana Marques (tivemos o desfalque de última hora da Raquel que é da turma, mas não veio por problemas no voo) todas essas canionistas feras que dispensam apresentação. Também fez parte do time a Malu, amiga de Porto Alegre que está na pilha dos Cânions, fez cursos recentes de canionismo e técnicas verticais e está sempre nas trips dos amigos da Trilhas do Sul.

Além das meninas superpoderosas, tínhamos uma equipe de apoio externo, que é e foi imprescindível para conseguirmos sair em segurança. A Carol e o Douglas, parceiraços e proprietários dessa maravilha, o Jacaré que é o fiel escudeiro dos irmãos, o André Morgues e o Marcelo Fruit que foram para integrar e somar a equipe de apoio. Importante dizer que André e Douglas são canionistas autônomos e feras também! (Essa é a equipe inicial, entrou mais gente aí... já já eu conto).

A logística

Na sexta as meninas chegaram em Urubici SC, vindas do aeroporto de Floripa, com exceção da Malu que estava de carona comigo, também saímos de carro de Floripa. Fomos juntos ao Graxaim Eco Hostel fazer o check-in e deixar as coisas pro retorno no sábado a noite pois na sexta mesmo subimos para o abrigo do cânion, mas antes deixei a 4x4 do resgate na saída dele, para evitar não mobilizar a turma do apoio. Voltei um bom trecho de bike até encontrar o Douglas no caminho, e na sequencia as meninas que vieram de um almoço e um passeio na cascata véu de noiva.

André e Marcelo chegaram mais tarde e nos encontraram no meio da subida para o abrigo na parte alta do cânion que estávamos fazendo com o 4x4 do Douglas.

Estava tudo pronto, chegamos no abrigo, checamos os EPIs, dividimos os EPCs e estava fino para entrar no cânion, era só dormir, acordar dentro da armadura e tocar pra baixo.

A progressão

Às 7 da manhã estávamos com o pé na água, conforme tínhamos combinado e é necessário para terminarmos em 12 horas no finzinho de luz do dia, essa era a meta. Mas... no esporte de aventura, um plano é só um plano, quem manda mesmo é a mãe natureza.

Fizemos o primeiro rapel e no segundo a equipe de apoio já estava na ativa, eles chegaram por trilha e montaram o maior rapel de 86 metros com uma corda de 100, essa corda que ficaria para a equipe de apoio recolher, uma corda de 100 é muito peso pra percorrer, já que o maior após esse é de 70 metros.

Fizemos o terceiro (R3 8 metros), o quarto (R4 25 metros terminando em poço), o quinto (R5 8 metros) mais um tobogã e natação curta seguido de um rapel de 70 metros, após esse trecho o cânion exige bastante por ter trechos de forte desescalada e marcha aquática. Aí que veio o complicador, pah! Começa a chover, e o caudal do rio aumenta consideravelmente, isso exigiu um esforço maior da equipe já que não é só chegar e desescalar, tem que ficar procurando o lugar mais seguro, da margem esquerda pra direita e vice versa, lugar onde era fácil progredir complicou, montar rapel onde não precisava etc.. até rapel em pedra entalada com cordelete rolou, sem problemas, vamo que vamo que ta massa, mas esses complicadores trouxeram uma exaustão física pra nossa amiga Malu, ela tava bem, se esforçando, mas a bateria começou a baixar, acontece.

A comunicação com a equipe de apoio estava combinada da seguinte forma, às 12hs, às 16hs e às 20hs.

A primeira comunicação com o apoio foi com o André e o recado foi: Estamos lentos pela dificuldade, é certo que vamos sair após o horário previsto. André informou tempo fechado de ambos os lados e que achava que não melhoraria, sem problemas, toca pra baixo.

Na comunicação das 16 hs eu informei nossa posição e que nosso ritmo tinha diminuído. Nesse momento garoava forte e minha preocupação era passar um trecho confinado antes do fim da luz do dia.

Nosso ritmo foi diminuindo e a busca por um lugar pra desescalar com segurança foi exigindo mais de todos. Sim estávamos todos já aparentando cansaço, mas a Malu estava nítida, com a cara bem fechada, parou até de conversar e começou a desescalar usando as mãos para puxar as pernas. Fizemos pausas pra hidratar e alimentar. Estávamos mais lentos e aconteceu exatamente o que eu temia. O trecho confinado bem ao entrar da noite, era 18 hs, escuro pacas, confinado e tempo fechado, as meninas já estavam de lanterna, menos eu. Veio mais um complicador, eu estava dentro do poço fazendo uma recuperação de corda de um rapel de 25 metros, com correnteza e ao puxar a corda encostei minha mochila ao lado, e ela boiando foi se afastando, mas não vi problema pois achei que o nó no fundo aguentaria, ela entrou em uma corrente forte e o nó não aguentou, vai a mochila correnteza abaixo e eu no escuro não consegui acompanhar o trajeto no visual. Caraca, nessa hora imaginei o pior. Sim, tudo meu estava na mochila e é melhor se perder com ela ao perder ela (rs)... Alertei a equipe e a Malu conseguiu avistar a mochila girando no movimento de água na próxima cachoeira. UFA! Bora rapelar e recuperar ela, pra isso peguei uma lanterna emprestada, agarrei ela e já dei sinal pras meninas virem na sequencia. Enfrentamos algumas travessias de águas vivas nesse trecho a seguir e quando estávamos saindo do confinado a Malu deu os sinais mais preocupantes de exaustão, ela escorregava com facilidade com o corpo bambeando a equipe toda começou a ficar muito preocupada. Ta definido! Vamos parar e dormir aqui mesmo. Decisão difícil, pois, dormir dentro de um cânion não é nada fácil, alias, não é nem dormir, podemos chamar de passar a noite. Fizemos uma conversa com o grupo para tranquilizar e explicar que seria a melhor decisão. Se a Malu continuasse ela iria de exaustão á lesão com facilidade, melhor não.

Avisamos o Douglas na comunicação das 20 horas: Vamos passar a noite pra descansar, assim teremos mais energia pra enfrentar amanhã e é provável que o nível do rio baixe. Combinamos outro rádio as 7:30 pra alinhar a situação.

A equipe de apoio ficou preocupada e durante a noite também recebeu contato de outros amigos que sabiam dos nossos planos, Marc Reimam, Mauro e Carlise já faziam contato com a Carol que passava a situação, mas... é inevitável rolar a preocupação, todos ficaram em alerta.

Lembra que falei que a equipe de apoio aumentaria? Pois bem, o Maurinho e Carlise se colocaram à disposição e mantiveram contato com a Carol para saber das news.

Eles são canionistas feras, operam em um sitio em Urubici pela Vertical Ecoturismo, abriram varias vias por ali, dispensa comentários a importância deles caso precisássemos.

O bivaque

Achamos juntos um lugar plano e fora da atuação da água, mesmo se aumentasse o volume.

Armamos nosso bivaque que ficou meio “capenga”, não estava totalmente fechado pra 5 pessoas deitadas, ficou com um dos lados abertos pois nem todos tinham manta térmica. Aí é aquela noite tensa que vai intercalando entre cochilos e tremedeira de frio, teve um momento que sentamos todos e usamos a manta que estávamos cobrindo pra fazer o fechamento do bivaque, assim o ponto quente funcionaria melhor, rolou também um revezamento de espaço pra dormir. E a Malu? Colocamos dentro do saco de emergência e a Janine foi monitorando ela, ela apagou. E... a garoa só parou às 4 da manhã.

No comunicado às 7:30 avisamos das dificuldades da noite e avisamos que iriamos seguir. Combinamos novamente um novo contato ao meio dia pra passar a posição, e a previsão de saída.

Bora lá! Não é a primeira e nem será a ultima vez que passei a noite no cânion, estávamos curtindo, animados em continuar e aproveitar a luz do dia no restante do cânion.

Voltamos pra calha do rio com caudal ainda maior, um sol abrindo era motivador.

Fomos progredindo de forma lenta novamente, a Malu ainda estava sentindo exaustão. As meninas adotaram um revezamento de apoio a Malu e pegaram carga da mochila dela também. Guerreiras! Elas iam do ladinho apoiando e eu ia na frende identificando o melhor lugar pra progredir, montando os rapeis. A dificuldade da Malu era na marcha aquática e desescalada, nos rapeis ela mandava muito bem, não era problema.

Chegou o contato do meio dia, quem estava no rádio agora era o Marcelo. Rolou um revezamento também entre a equipe de apoio, eles tinham que sair da base e ir ate a borda pra conseguir sinal, difícil a comunicação nesse ambiente.

Nesse contato eu estava decidido pedir intervenção da equipe de apoio, pois nosso ritmo estava muito lento e corria risco de novamente sair sem luz do cânion.

A Juliana aparentava exaustão também, mas ela melhorou depois de uma pausa com alimentação, foi só uma fraqueza momentânea, mas que preocupou muito pois ela mudaria da posição de apoio pra apoiada, ai nosso ritmo iria praticamente parar.

Feito o contato, só falei a minha posição e eles já falaram, estamos descendo vamos buscar vocês no final do trecho, nesse momento a equipe de apoio virou equipe de resgate, a Malu não conseguiria subir sem ajuda e nós estávamos esgotados para ajudar.

Douglas, André e Marcelo foram ao encontro de Maurinho e Carlise e partiram pra saída do canion, equipados de facões, comida, roupa seca e café. Fomos falando pelo radio atualizando a posição a partir das 16 hs. O rádio já funcionava pela proximidade, nós progredíamos e eles também, limpando a trilha, na verdade montaram quase uma escada rolante (risos), Maurinho e Carlise levaram 2 cordas de 100 metros e fixaram montando um corrimão. Douglas, Jacaré, Marcelo e André já iam na frente abrindo com facão.

Chegamos juntos! Nós executando o último rapel e a equipe já tinha feito o trabalho e ganhado rio acima, quando recolhi a corda o pessoal já tinha assumido as mochilas das guerreiras. Felicidade em ver essa turma! Bora sair então...

Na subida a Carlise nos alertava de taturanas em um dos troncos de árvore, e era daquele pior tipo, a que causa hemorragias e tals, não lembro o nome, mas a Janine estava nos dando uma aula.

A subida da trilha foi assim, de bate papo, pra nós um alívio gigante, pois todos sabiam dos riscos de complicações.

Chegamos nos carros, trocamos de roupas, arrumamos as mochilas, comemos, tudo com muitas risadas e muita gratidão por todo o apoio que recebemos. O astral foi lá em cima.

Que perrengue! Saímos com os carros com o final da luz do dia, mais um pouco e estaríamos de novo no escuro. Que alivio!

Inteiramos 35 horas dentro do cânion.

Que final de semana intenso!

Apesar do risco alto de complicação, tocamos a empreitada de frente. As meninas foram muito guerreiras! A Malu especialmente enfrentou como pode, tirando energia do além e não pensou em desistir em momento nenhum, foi no ritmo dela mas foi.

A equipe de apoio foi essencial. Nossa eterna gratidão.

E o aprendizado?

Foram muitos, pra mim.

*Malu, ficou muito incomodada pedindo desculpas, mas todos sabem que varias coisas podem acontecer com qualquer um. Malu não desista!

*Canionismo é time!

*Quem tem amigos, não fica a pé!

*Não sou melhor que ninguém!

*Um bom planejamento é importante, mas quem manda é o cânion.

*Aprendizado também em esclarecer todos esses detalhes rápido, para que a historia não tome proporção com telefone sem fio.

Tenho certeza que as meninas aprenderam muito tbm.

Ufa! Escrever tudo isso me cansou mais que o finds.

É isso! Bora pra próxima!

Piiiiii Piiiiiii (Li-Vre)

Comentarios


Mundo Trekking Mountain Store (banner)

Assine nossa newsletter.

Parabéns! Sua assinatura foi concluida

Gostou do blog? Doe agora e nos ajude a proporcionar novidades cada vez melhores.

Doar com PayPal
  • Black Facebook Icon
  • Black Twitter Icon
  • Black Pinterest Icon
  • Black Flickr Icon
  • Black Instagram Icon

© 2016 | CLICATRIP por João Batista Gonçalves Lostada

bottom of page